Ela
conhecia a música. E a lenda. Tinha cantado muitas vezes na época em que fizera
sucesso, com Biafra.
Mas
agora era diferente. Tinha uma pergunta pra Deus: “Por quê eu sou tão sozinha?”
Ela se dirigia a Jesus na sua dor. Por quê era tão sozinha? A família, por
parte de pai, a abandonara. E pior, era seu aniversário.Precisava ficar
lembrando às pessoas que era seu aniversário? A família por parte de pai, a
tinha rodeado quando era pequena. Tinha ido a seus muitos aniversários, na
infância. Acho que ela nunca percebeu isto, que eles estavam ali porque o pai
era rico e dava grandes festas. Começaram o abandono pelo pai, quando ele
começou a empobrecer. Já não havia mais festas, nem visitas à casa da avó
paterna. Olhavam só o dinheiro que ele tinha e depois deixou de ter.Depois que
cresceu, passou por poucas e boas. Mas ainda não havia reparado que a família
havia se afastado.
Enfim,
era mais uma vez seu aniversário, 46 anos. Em todo esse tempo, muita coisa
acontecera na sua vida. Voltou-se para Deus, com mais fé, pois via provas da
existência de Deus na sua vida. Tornou-se mais religiosa por isso. Sua fé em
Nossa Senhora e Jesus só fizeram aumentar. Deus estava lhe dando o que pedia.
Pois ela perdoou as pessoas que lhe fizeram mal. Mas uma coisa a deixava
aflita: a sua solidão. Neste dia tinha falado com uma prima por parte de pai
pelo Facebook. Ela falou do aniversário e a prima deu uma resposta que ela não
gostou, uma risadinha. Arrependeu-se de ter falado fosse o que fosse.Então
perguntou a Jesus: “Mestre, porque eu sou tão sozinha?” No silêncio do quarto,
veio-lhe a letra da música:”O que faz de mim ser o que sou/ é gostar de ir por
onde ninguém for/Do alto, coração, mais alto, coração”.
Revisitou a lenda de Ìcaro. Ele vôou. Sim, ele voou. Colocou asas e o
sol derreteu a cera, mas o que importa é que ele voou.
Jesus
deu seu consolo. Mas dessa vez, não ficaria só com ela. Escreveria sobre isso,
sobre essa dor. E a possibilidade de compreender o inimigo. Perdoar e seguir em
frente. E se um dia ela morresse e a família nem tomasse conhecimento, estar em
paz consigo mesma. O perdão acima da dor. E a sua fé em Deus gerando novos
mundos, onde a alegria e a consolação permanecem.
Fátima
Braga, 6 de março de 2014.