Eu já me referi aqui no meu blog às “Crônicas de
Nárnia” e me detive a analisar alguns aspectos da questão. Não apenas por ser
um mundo imaginário dentro de um mundo imaginário de um escritor, C. S. Lewis,
mas cheguei a comparar o sacrifício de Aslam ao sacrifício de Jesus, numa visão
teológica do livro. Quero começar falando da escrita saborosa – nos dois
sentidos, o de escrever propriamente dito e o das descrições das comidas – de
C. S. Lewis. Primeiro porque ele escreve dando sabor ao que escreve. É uma
dimensão perdida nos filmes, que no livro temos com intensidade. A comida
adquire sabor quando lemos, a luz se torna diferente (como em “A Viagem do
Peregrino da Alvorada”), o frio se torna mais frio (como em “A Cadeira de Prata”),
o sol adquire outros tamanhos, as batalhas se tornam realmente acaloradas, o
caminhar dá a dimensão do cansaço de cada um que anda pelos bosques de Nárnia,
ou nos desertos da Calormânia, (“ O Cavalo e seu menino”) temos sensações que
os filmes, lá na telona, não dão, pois se limitam ao ver e ouvir, a roteiros
presos onde deve constar a aventura. Não que eu não goste dos filmes, eles tem
seu valor enquanto elementos de melhor visualização dos dramas. Falo presos
porque exigem ação, exigem movimento, exigem criações de situações dramáticas
que não estão nos livros para valorizar esta ação. Tem o seu valor intríseco. E
sempre é bom ver um bom filme.
Mas nada
se compara a uma leitura do livro onde você só conta com sua imaginação para
criar cada passo dos heróis, os bosques, as longas caminhadas, o navegar do
Peregrino da Alvorada, a fome que bate depois de longas caminhadas no frio, a
esperança de um banho quente depois deste frio(“A Cadeira de Prata”), a areia
escaldante do deserto, o andar por uma cidade cheia, a alegria de se ver salvo.
Há uma coisa curiosa sobre a ordem de escritura dos livros: dizem que o
primeiro livro a ser escrito por C. S. Lewis foi de fato “O Leão, a Feiticeira
e o Guarda-roupa”, mas na ordem cronológica das Crônicas, “O Sobrinho do Mago”
é que vem em primeiro lugar. A ordem
cronológica é esta:
1.
O Sobrinho do Mago
2.
O Leão, a Feiticeira e o Guarda-roupa
3.
O Cavalo e seu menino
4.
Príncipe Caspian
5.
A Viagem do Peregrino da Alvorada
6.
A Cadeira de Prata
7.
A Última Batalha.
Cada um cheio de riquezas, de valores
morais, ética, coragem, sacrifício, bondade e respeito pelo próximo. É preciso
ler para fruir com gosto as descrições do autor, as delícias da comida de
Nárnia, seus cheiros, o som dos seus rios, a leve aspereza de sua grama, o sono
nas horas de dormir e os levantares, a luz do Mar do Fim do Mundo, as colinas
do fundo do mar, as pastoras de peixes, o doce da água deste mar, que matava a
sede e também a fome, o gosto do jantar da Sra. Castor, (O Leão, a Feiticeira e
o Guarda-roupa) o revigoramento às pessoas trazido pela água do Fim do Mundo, a
engraçada ação dos animais falantes no primeiro dia da criação de Nárnia (“O
Sobrinho do Mago”)e tantas coisas deliciosas criadas pela imaginação durante a
leitura. E não só deliciosas. Conte com um frio na espinha ao ler a descriação
de Nárnia e a reação dos anões durante a batalha e a visão breve do Rei
Trinian, último rei de Nárnia, durante uma noite de pesadelo (“A Última
Batalha”), o susto das crianças na Terra dos Gigantes ao saber quem seria a
comida (“A Cadeira de Prata”), a fuga de Caspian para salvar a própria vida
(“Príncipe Caspian”). Ou a emoção, junto com Suzana e Lúcia na morte de Aslam,
que elas vêem de longe (“O Leão, a Feiticeira e o Guarda-roupa”).
Tudo isso e muito mais sentimos ao
mergulharmos na leitura. Ficamos plenos de Nárnia por todos os poros. E
começamos a contar aos outros a nossa aventura de ler o livro, querendo ser
entendidos por quem também goste dessas aventuras, como nós. Ou como a criança
de seis anos que responde “Eu também”, quando o escritor C. S. Lewis diz que
odeia ameixas secas, num hotel. Houve simpatia entre ambos no primeiro
instante. É essa simpatia que se espera encontrar em quem vai ouvir as nossas
aventuras em Nárnia. Não basta dizer: “Eu li o livro”. É preciso um coração
amante para desbravar as delícias da terra de Nárnia.
Fátima
Braga, 27 de abril de 2012.