Mundo de Nàrnia.

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quinta-feira, 17 de maio de 2012

A geração pós-esparadrapo

A geração pós-esparadrapo é aquela que abriu a boca após 20 anos de amarras (o esparadrapo colado nas bocas, nas prisões da ditadura), sem poder falar, se expressar. Gente que viu o país se tornar um bloco insustentável de levar, depois de tanta violência política na década de 70. A geração pós-esparadrapo abriu o berreiro mesmo, disse: “Estamos cansados de tudo isto. Somos gente, queremos de volta nossa liberdade de expressão, queremos decidir quem serão os governantes do país”. A geração pós esparadrapo se afirmou principalmente na música, individualista, voluntariosa, certa de suas vontades e de seus não-quereres, de seu potencial e de sua liberdade para fazer o que desse na telha. E se expressou no Rock Brasil, que foi por um tempo onde toda essa vontade encontrou seu canal de expressão, atingindo o seu auge no Rock in Rio. Cazuza, Renato Russo, Lobão, todos exprimiram para os jovens daquela época suas vontades de jovens, falando de seus amores, seus desejos de libertação, seus conflitos com seus pais, suas buscas pessoais. Foram aos limites de todos os exageros e inconformismos, da rebeldia, dos desafios a tudo que fosse quadrado, limitado, imbecil, sujo, chapado. Usando suas palavras, seus sons, suas roupas, representaram para nós o “chutar o pau da barraca” de tudo aquilo que era o “certinho”. 
Foram longe de todas as formas. Para xingar, vaiar o que não prestava, falar dos usos do “sistema” que tinham o objetivo de oprimir, da realidade cruel e injusta que se fazia presente em nosso país. Passaram de todos os limites, na busca de sua própria força e de sua própria expressão. 
Cazuza foi um de seus ícones. Rebelde entre rebeldes, foi também a vítima do balde de água fria posterior ao exarcerbar das contestações. A grande vítima exposta de uma geração que viu o fim do sexo livre, com o advento da Aids. Doença ainda desconhecida na época, chegou a ser vista como “castigo de Deus” ao sexo livre desencadeado na década de 60 e adotado pelo movimento hippie e as gerações que se seguiram. Cazuza foi a grande vítima também do cinismo e da falta de ética que pautou os revoltados e cínicos de uma imprensa ainda vingativa e também revoltada, recém saída das chapas em brasa do cala a boca geral acontecido no país. A capa da Veja naquele ano, mostrando o artista nos extertores da doença, em fase praticamente terminal, foi objeto de protesto e revolta, inclusive dos melhores dentro da imprensa. A sociedade fria e desencantada que se seguiu, mais acreditando no trabalho duro e em fatos do que em afetos e misericórdia, gerou o monstro do cinismo, disposto a não abrir mão de seu próprio conforto em benefício de terceiros. Se a Aids não era o “castigo de Deus”, era algo que deveria trazer mudanças de comportamento. Ou menos que isso, de modos de fazer as coisas, por exemplo, com o advento do sexo seguro, através do uso da camisinha. 
Mas e daí? E daí se as engrenagens não pararam e tudo hoje é o que era há 30 anos atrás, mudando apenas os modos de operação? As comunicações evoluíram através da criação e consolidadação da internet, hoje o mundo se comunica com uma velocidade antes impensável na geração pós-esparadrapo. E o que isso nos trouxe de alma, de afeto, de evolução espiritual, de fim das injustiças? E se trouxe, onde está tudo isso? Onde se mostra, onde se revela? Será que o novo individualismo deu lugar a algo que eu chamaria consciência global, onde cabem a defesa da natureza, o fim da exploração do homem pelo homem, o bem-estar social, o equilíbrio econômico entre as nações? Onde está, após o mergulho nas sombras da geração pós-esparadrapo, aquilo que nos dignifica como seres humanos, que nos torna melhores que somos, que nos afasta das trevas do cinismo e do desespero e que nos garante que a vida será melhor? Em que lugares podemos encontrar tudo isso? 
Que estas minhas perguntas sejam apenas uma ponta de lança, como Cazuza o foi da geração pós-esparadrapo. Que sejam apenas objeto de reflexão e reavaliação de valores e comportamentos. Que tragam algo que seja realmente bom e que valha a pena, nos valores humanos. Aprendemos com a geração pós-esperadrapo que devemos falar de tudo o que está dentro de nós mesmos. Mas também aprendemos com ela gentileza e sonho. Afeto e sorriso. Som e dança. Sentimento e lágrima. Dor e reflexão. Mas principalmente verdade e querer. Que esta lição possa não ser esquecida e que se faça presente em cada dia de nossas vidas. 

Fátima Braga, 18/05/2010

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